25 outubro 2011

MST – ENSINANDO A NÃO ANDAR DE JOELHOS


A preocupação com a educação faz parte da história de luta do Movimento Sem Terra (MST). Mesmo em condições precárias, é prática corrente manter uma escola na maioria dos acampamentos espalhados pelas beiras das estradas e latifúndios do país. Logo que conquistam a terra, uma das primeiras medidas dos assentados é pressionar para que as administrações municipais construam escolas nas áreas. Não uma escola qualquer. Querem um tipo de ensino que dê condições aos seus filhos de continuarem aperfeiçoando seu saber agricultor, mantendo-se no campo e não deixando de ser camponeses. O debate sobre o papel das escolas para as crianças dos sem-terra começou em 1986, um ano depois das primeiras ocupações de terra organizadas pelo movimento. Os acampados de então queriam saber se a escola "ia continuar formando crianças para andarem de joelhos a vida inteira ou se ia possibilitar a elas compreender por que os seus pais tiveram que enfrentar o desafio de viver num acampamento". Esses tipos de questionamentos despontaram em diversos acampamentos e assentamentos do país. E é daí que nasceu, em 87, o Coletivo Nacional de Educação, responsável pela estruturação, ao longo dos anos, da proposta de educação do MST.
A proposta baseia-se, sobretudo, na tríade prática-teoria-prática. O conhecimento deve partir da prática, da vivência concreta das crianças, e retornar a ela. É assim que os alunos constroem o seu saber e se tornam sujeitos de seu conhecimento. A idéia é que só a teoria não basta. Todo conteúdo transmitido pelos professores tem que ser vivenciado na prática pelos alunos. Uma prática que tem a ver diretamente com todo o trabalho na terra e que vai além, enfocando. A teoria brota como forma de solucionar os problemas concretos que as crianças encontram na escola, no assentamento ou na comunidade. Assim, o aprender a ler, escrever e calcular está intimamente ligado com a formação da consciência crítica e organizativa. E também com a história que os fez estarem ali, num assentamento de reforma agrária. Essa ligação com a história é evidente nas próprias paredes das escolas, onde aparecem invariavelmente cartazes e a bandeira do movimento. O jornal do movimento, que informa sobre a luta pela reforma agrária em todo o país, é utilizado em sala de aula. As datas comemorativas são sempre enfocadas sob a ótica dos trabalhadores, tome-se como exemplo o Dia da Independência (Sete de setembro), Nas escolas dos acampamentos a "independência" é questionada, pois a maioria dos brasileiros não tem comida, trabalho, casa, terra e condições de higiene e saúde.
Margarida Alves, Padre Josimo e Chico Mendes são alguns dos mártires da luta pela terra homenageados na hora de as escolas serem batizadas. Um aspecto importante desta proposta é fazer com que as crianças valorizem a luta de seus pais. "Elas não têm que ter vergonha deles porque eles tiveram que acampar", fala um dos professores do MST. Nas escolas dos assentamentos na hora de escolher os "temas geradores" que serão trabalhados pelos alunos durante o ano, reúnem-se todos, pais e professores e são escolhidos temas geradores que estejam presentes no cotidiano das crianças. A partir desses temas, os professores trabalham com os alunos questões de ciências, matemática e português. Nas escolas dos assentamentos, além de trabalharem todas as matérias da escola de forma coletiva, as crianças estão organizadas de uma forma que reproduz o sistema de cooperativa.
É difícil apagar o preconceito social que persegue os sem-terra, por isso é necessário um olhar  profundo e sem preconceitos sobre este movimento que tem sua proposta educacional nascida da necessidade dos filhos dos militantes terem o direito a alfabetização e a educação, mas para que esta educação não fosse dissociada da luta pela reforma agrária, ela foi associada a valorização do homem do campo e a formação de cidadãos críticos e capazes de unidos lutarem por seus direitos.
Referência: Revista Sem Fronteiras – nº235 (Dezembro/1995) p.12