17 janeiro 2012

Parque Estadual Marinho do Aventureiro e os Caiçaras – uma difícil relação

As comunidades Caiçaras habitavam as praias do litoral sul do estado do Rio de Janeiro ao litoral norte do Paraná e tinham como principais características o fato de viverem da pesca e da agricultura familiar. Durante a década de 70 do século passado, este grupo sofreu forte pressão, tendo quase desaparecido. Neste período os caiçaras viram a destruição do seu modo de vida seja pela grilagem de suas terras por grandes empreendimentos imobiliário-hoteleiros, seja pelo apelo do “milagre” econômico, que fez que muitos abandonassem seus meios de vida, ou pela pura e simples negação do direito de acesso ao mar. Nas ultimas décadas do século XX e no inicio do século XXI, mais uma questão vem se somar a já problemática questão fundiárias das comunidades caiçaras: a preservação ambiental.
Uma situação emblemática desta nova realidade é o imbróglio envolvendo os moradores da Praia do Aventureiro, na Ilha Grande em Angra dos Reis, e as autoridades, no que diz respeito à preservação ambiental. De um lado os moradores, querendo garantir o direito à terra, de onde tiram seu sustento há pelo menos três gerações. Do outro lado as autoridades conservacionistas, que no ideal de preservar o meio ambiente acabaram colocando a sociedade em oposição à comunidade. Gerando assim diversos conflitos.
O relato abaixo  foi baseado em trabalhos apresentados por cientistas sociais e nas experiências da jornalista Roselaine Pinto que teve a oportunidade de acompanhar alguns desdobramentos da transformação da Praia do Aventureiro em Reserva Biológica.
Em 1981, sem consultar as pessoas diretamente atingidas, o governo do estado do Rio criou a Reserva Biológica da Praia do Sul, e em 1991 o Parque Estadual Marinho do Aventureiro, na mesma região da Ilha Grande, que proíbem respectivamente a presença humana e a pesca nesses locais. No entanto, 83 pessoas, divididas em 23 famílias moravam na localidade, por isso fazia parte do plano à realocação dessas famílias no continente. Mas isso nunca aconteceu de fato e os órgãos de fiscalização ambiental, neste caso a FEEMA, foram apertando as normas. Por exemplo, nesta época os caiçaras foram proibidos de praticar a agricultura de subsistência, além disso, em toda a Ilha Grande havia limitações legais quanto à pesca na costeira.
Na mesma época em que os caiçaras perdem fontes de sustento, em 1994, o Presídio Cândido Mendes, que funcionava na Praia de Dois Rios, foi desativado, isso estimulou o turismo em toda Ilha, inclusive na Praia do Aventureiro. Com o aumento de turistas na região surgiu a necessidade de se ter mais dormitórios e mais construções na localidade. A chegada dos turistas estimulou os caiçaras a permanecerem em suas terras, ao invés de migrarem para o continente em busca sustento. Vale lembrar, que ao contrário de outras regiões na Ilha Grande, a exploração do turismo no Aventureiro é familiar.
Isso reascendeu no Governo a ideia de retirar todos os moradores da Praia. O trabalho com o turismo foi caracterizado, pelo órgão de fiscalização, o como uma “descaracterização cultural” que ameaçaria a integridade da Reserva Biológica. Além disso, tinham uma visão baseada em uma divisão de classes econômicas, que pressupõe a estagnação de um grupo social como o do Aventureiro. As relações entre os órgãos fiscalizadores e a população entram em colapso, com o aumento da fiscalização. O turismo foi visto como fator de descaracterização social e destruição da natureza.
Nesse contexto, e com a entrada em cena do Ministério Público, um ambientalista pediu na justiça que os moradores do Aventureiro fossem transferidos para o continente, e que os órgãos fiscalizadores, FEEMA, Prefeitura de Angra, e IEF, fossem responsabilizadas criminalmente. O principal argumento era que a comunidade caiçara havia se descaracterizado e se tornado fator de destruição do meio ambiente. Em meio a esse conflito surge em 2000, por determinação do Ministério Público, a Associação de Moradores do Aventureiro, que insere na comunidade os valores ambientais e arregimenta defensores, como antropólogos, juristas e ONGs.
Em 2006, pressionada pelo Ministério Público, a Prefeitura de Angra dos Reis capitaneou uma grande ação de fiscalização em toda Ilha Grande e em especial na Praia do Aventureiro. Essa ação desencadeou uma reação que culminou com a criação de um Termo de Ajuste de Conduta. Esse termo definiu a capacidade de carga do Aventureiro em 560 pessoas por dia envolvendo a própria comunidade na gestão deste número e permitiu o funcionamento de 18 campings.
Hoje a intenção, ainda em tramitação é retirar o Aventureiro da Reserva Biológica da Praia do Sul e criar para o local a Reserva de Desenvolvimento Sustentável ou APA, que poderá através do turismo sustentável, conciliar proteção ambiental e desenvolvimento econômico para os moradores.
Toda a discussão sobre as consequências da criação de uma reserva biológica na praia do Aventureiro passou por discussões apaixonadas de ambientalistas, cientistas sociais e moradores, e agora caminham para o desfecho, que esperamos seja baseado na ética e no respeito aos valores das comunidades tradicionais, uma vez que acontecimentos impactantes transformam as relações do homem com o homem e do homem com a natureza. O turismo para ser praticado com ética deve seguir as diretrizes da sustentabilidade seja ambiental, sociocultural, econômica e político-institucional, conforme preconiza o Ministério do Turismo A melhor forma de se fazer isso é com a prática do ecoturismo que se diferencia das demais modalidades de turismo, pois está baseado no conhecimento do meio ambiente, na justiça social e na educação ambiental.
Fontes:
O PODER DE NOMEAR A PRAIA DO AVENTUREIRO (RJ): ESTADO, ESPECIALISTAS E POPULAÇÕES TRADICIONAIS: XV Congresso Brasileiro de Sociologia 26 a 29 de julho de 2011: Disponível em http://docs.google.com/ Acesso em 14 de out. de 2011

MEU LUGAR VIROU RESERVA BIOLÓGICA E PARAÍSO PARA TURISTAS: V Encontro Nacional das Amplas quatro a sete de outubro de 2010 Florianópolis – SC: Disponível em: http://docs.google.com/ Acesso em 14 de out. de 2011.
O SURGIMENTO DA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DO AVENTUREIRO, ILHA GRANDE–RJ: RECONFIGURAÇÕES DE IDENTIDADES E USOS LOCAIS DO DIREITO: Disponível em: http://docs.google.com/Acesso em 20 de out. de 2011
IMAGEM 1: Disponível em:http://ilhagrande.org/Ilha-Grande-Portal/:Acesso em 20 de out. de 2011.